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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Um ano sem Lula:Lula e um canto de um herói


Não são tantos os heróis assim, porque deixar um rastro profundo na alma de qualquer povo exige do pretendente, antes de tudo, que se torne o sal da terra. Ora, ser um daqueles caras que adubam o chão por onde passam é fazer o que tem que ser feito, quando tem de ser feito, independente das conseqüências, porque se assim não for "será jogado fora e pisado pelos homens." Quem escreveu isso foi o apóstolo Mateus. "Cheguei à Presidência, disse Lula, para fazer as coisas que precisavam ser feitas e que muitos presidentes antes de mim foram covardes e não tiveram coragem de fazer." (Folha de São Paulo, 30/10/2003). E assim se tornou o sal da terra.

O mesmo apóstolo lembra: "ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde ela brilhará para todos...." Talvez tenha sido assim com Lula, cintilou e estendeu seu brilho para todos e por todos os rincões deste país. Não demorou e a intensidade da chama alcançou os outros lados do planeta. Então passaram a lhe render homenagens.......


"Eu sou filho de uma mulher que nasceu analfabeta," disse ele em 8 de março de 2004, no Dia Internacional da Mulher. E por conta desse falar estropiado, por ter nascido pobre, retirante, operário e líder sindical, por ter estudado quase nada e ter a língua presa, por cada uma de suas falas dar a impressão que a simplicidade destoava da sabedoria, por lhe faltar além do dedo a solenidade que se espera de um presidente a imprensa-empresa e parte considerável das elites médias e altas do Brasil nunca o perdoaram e assim optaram por fazer do absurdo um estilo com o qual consagraram um sistemático bombardeio difamatório - que se prolonga até os dias de hoje - ao governo daquele "sapo barbudo" que ousava exibir qualquer coisa de esfinge atrás de um rosto amável fora do tempo. Nunca o entenderam, tampouco o decifraram. Sequer perceberam aquele dom que ampliava a intensidade da sua luz: a paciência - como a de um camelo - que exaltava assim, o que escrevera Giacomo Leopardi: "é a mais heróica das virtudes, justamente por não ter nenhuma aparência de heroísmo."

"Pobre do país que precisa de heróis para defender a dignidade", pronunciou Lula em 29 de junho 2004, dessa vez na abertura da Conferência Nacional dos Direitos Humanos. "Nunca dantes na história deste país" alguém atropelou com tanta habilidade, graça e magia a língua portuguesa. E assim, com os olhos incandescentes e por vezes lacrimejantes de um sonhador, com sua personalidade avassaladora, barba de profeta e um coração benevolente iluminou um canto de amor à dignidade dos pobres deste país.

Certa vez falou aos jornalistas, sem se apequenar, o quanto era tamanho o peso de chumbo da sua educação. Se via cercado pela ditadura das palavras erradas e o quanto invejava a liberdade das palavras certas. "O governo tenta fazer o simples, porque o difícil é difícil", pronunciou solene na 1ª Conferência Nacional do Esporte, em 17 de junho de 2004. Aos meus olhos isso é parte de um horizonte brilhante que muitos adorariam ter alcançado, desse universo de semelhanças que num instante o identificam com seu povo, muito maiores que as diferenças que poderiam separá-los, ainda mais quando adornado com a expressão de um orgulho ímpar com que celebra cada conquista de sua tenacidade, com a luz da poesia.

E é por causa dessa luz inebriada de paciência que ele exibe no rosto as marcas das vitórias e das perdas em oito anos de mandato e que, embora decorrido um ano, ainda teima em brilhar para todos, que a jornalista Zilda Ferreira, finalmente, poderá entender - doze meses depois de ter escrito -, "por que a multidão [em Brasília, 01 de janeiro de 2011] gritava 'Lula, herói do povo brasileiro!'. Gritava também enquanto o ex-presidente passava a faixa presidencial.... Depois, quando descia a rampa... Nesse momento..., em que quebrou o protocolo, atravessou a rua e foi cumprimentar o povo, quase chorando." Consagrou então seu canto de herói, entregou-o em lágrimas à multidão que o aclamava, ampliou como ninguém a chama de seu candeeiro e sem ornamento algum tornou pálida a arte dos governantes que o antecederam.

- "Cheguei à Presidência para fazer as coisas que precisavam ser feitas..." Taí..., um singelo canto de um herói.


Do leitor Antonio Fernando Araujo

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