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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Antônio Carlos de Almeida Castro: Uma verdade encomendada


Um profundo abismo separa a interpretação política da realidade técnica de uma investigação.

Por Antônio Carlos de Almeida Castro*


Quando fui procurado pelo ex-ministro Orlando Silva, ele foi categórico ao afirmar que não havia hipótese de aparecer qualquer fiapo de prova, indiciária que fosse, contra ele, pois jamais teria cometido irregularidade alguma. Naquele momento, uma denúncia vazia e irresponsável já havia tomado ares de verdade no noticiário nacional.

O denunciante, embora desqualificado, espalhou no ar penas e plumas da calúnia, com a fluidez da inconsequência. Quando isso acontece, é impossível ao homem de bem repor integralmente sua honra. É uma tragédia!

O então ministro, em defesa, foi às autoridades competentes e acionou o procurador-geral da República para que investigasse os fatos.

E, em seu nome, desafiei a quem quer que fosse para que apresentasse prova que ligasse o ministro do Esporte a qualquer ato ilícito. O delator foi à Polícia Federal, entregou documentos e fitas e ressaltou que absolutamente nada ligava o ministro diretamente às denúncias, o que foi confirmado pelo delegado responsável pela investigação.

Nos últimos anos, a Procuradoria-Geral da República tem adotado uma postura que me parece serena e prudente: quando toma conhecimento de uma denúncia, oferece à autoridade a oportunidade de se explicar, antes da abertura de um inquérito.

No caso concreto, o doutor Roberto Gurgel houve por bem, em vez de determinar a apuração prévia dos fatos, requerer a abertura de inquérito no STF. E o fez com base em representações assinadas por deputados de oposição, desprovidas de documentos ou quaisquer outras provas, apenas com cópias de reportagens jornalísticas.

O principal interessado em uma investigação séria, célere e eficiente é o próprio Orlando Silva. Por isso mesmo cuidei de ressaltar à ministra Cármem Lúcia, relatora do feito, a importância de se permitir o acesso da imprensa ao inquérito, para demonstrar que nada existe contra o ministro.

Mas a leitura política é outra, e é avassaladora: o Supremo Tribunal investigava o ministro!

É necessário prudência nesta hora. Não me cabe comentar o viés político, mas o cidadão, qualquer que seja ele, não pode ficar refém de julgamentos antecipados, de interpretações oportunistas.

Ora, no Estado de Direito, o primeiro direito do cidadão, por paradoxal que possa parecer, é o de ser bem acusado, com uma acusação definida e precisa.

Contra o ex-ministro não pesa nada neste inquérito, cuja abertura ele requereu. É dever do homem público colocar-se à disposição para prestar todo e qualquer esclarecimento e apoiar a investigação, mas é necessário que os princípios da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo legal sejam preservados.

O massacre moral e a antecipação de culpa não servem à democracia, só fazem com que voltemos às trevas do obscurantismo, só servem a uma briga política insana, que arrasa os mais comezinhos princípios de direito.

Quando se pede para cumprir a Constituição Federal, aguardando-se as conclusões da investigação, pede-se pouco, apenas que se dê ao investigado o mesmo tratamento que almejaríamos receber em uma situação idêntica.

Ninguém está acima da lei, e a investigação é necessária, mas permitir que se comece a investigação pela execução da pena, com execração pública, implica inverter e desprezar as conquistas garantistas duramente consolidadas.

Em nome desse princípio é que proponho que acompanhemos a investigação, mas sem conclusões antecipadas, sob pena de se instalar a barbárie e o extermínio moral.

É preciso deixar que a verdade possa aparecer, não que se imponha sobre o Estado de Direito uma verdade encomendada.


* Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é advogado criminal

Fonte: Folha de S. Paulo

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