Páginas

terça-feira, 8 de novembro de 2011

As mulheres invisíveis a Aécio Neves


do Movimento Minas Sem Censura
O artigo desta semana, do senador mineiro, aparece no jornal Folha de São Paulo, com um título interessante: “O paradoxo feminino”.
Lido e relido com muito interesse, o texto nos reserva uma grande frustração: ao final não se explicita o paradoxo anunciado no título. A referência ao paradoxo feminino não passa de um mero ornamento da mancha impressa no citado jornal.
De resto, ele (ou a ghost writer que, segundo alguns, se chama Heloísa) destila – aleatoriamente – números e comparações. Percentuais que, capturados no “Anuário Estatístico do Dieese” e, segundo ele, “agora” confirmados no Fórum Econômico Mundial demonstrariam o atraso
civilizatório em relação à condição feminina.
Dados corretos, diga-se de passagem. Mas que só foram assimilados pelo fórum “econômico” agora, quando já eram difundidos por organizações e ativistas feministas há tempos. Atualizados, esses números confirmam: a condição de gênero tem suas especificidades, mas é – sobretudo -
condição de classe. Condição que se agrava quando as dimensões étnicas, etárias, culturais entram em cena. Exemplo: a situação da mulher pobre, negra ou índia, idosa etc.
Uma coisa é citar Fernanda Montenegro, Ruth Cardoso, Marina, Benedita, Marta e Dilma. Muito simpática a referência. Mas as margaridas, marias da penha e iaras iavelbergs anônimas, ainda estão por ser efetivamente homenageadas com políticas públicas radicalmente feministas e
femininas.
Muito se avançou nos últimos anos. A própria Central de Atendimento à Mulher, por ele citada como fonte de estatísticas, é uma conquista. Esta integra a estrutura da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, criada por Lula, com status de ministério. Ministério que entra no rol das críticas de “inchaço” da máquina pública federal, quando Aécio fala para agradar à direita neoliberal deste país e aos “FMI’s” da vida.
O artigo por ele assinado comete uma ousadia: cita estatísticas sobre violência contra mulheres. Muito ousado esse Aécio. O “atrevimento” dele suscita lembranças singulares envolvendo o senador.
Agora vamos ao paradoxo feminino de Aécio, politicamente falando.
Quem tiver paciência que vasculhe os arquivos da Câmara de Deputados e ache alguma coisa de relevante que ele teria feito em seus 16 anos como deputado federal, para o tema que ele destaca nesse texto.
Como governador de Minas Gerais, idem. Aliás, governador eleito, ele conseguiu com Itamar Franco uma série de projetos e iniciativas (como as leis delegadas) ainda em novembro e dezembro de 2002. Nada relativo à política de mulheres. Ou melhor, foi vetada a proposição que criava a Ouvidoria de Saúde da Mulher, com justificativas regimentais e orçamentárias, poucas semanas antes de sua posse. Sabe-se que Itamar Franco adotou todas as medidas solicitadas por ele, para o início do governo tucano em 2003. O veto foi mantido na Assembleia Legislativa, onde Aécio tinha, via Itamar, maioria folgada.
Outro paradoxo: sua base na ALMG barrou a proposta de que 30% dos cargos comissionados do governo mineiro fossem ocupados por mulheres; ora, todos sabemos do controle que ele sempre teve sobre a ALMG. Perdeu, então, uma ótima oportunidade para dar um passo simples, mas
importante, para começar a resgatar essa imensa dívida social.
Aliás, várias outras proposições, de interesse das mulheres, que tramitaram no legislativo estadual, em seu governo, foram derrotadas por sua base parlamentar!
Mais um paradoxo: as professoras e auxiliares de escolas estaduais de Minas devem compor cerca de 70% de servidores da área de educação. O tratamento que ele, enquanto governador deu, e seu sucessor – Anastasia – dá às trabalhadoras da educação comprova que seu discurso dista anos-luz de sua prática. Não cumpre a legislação do Piso Nacional, não há carreira, a violência nas escolas atinge quase 100% as mulheres etc.
A lista antifeminista de Aécio é longa e vai ser tratada no próximo boletim do Movimento Minas Sem Censura.
Enquanto isso, este “Aparte” ruma para seu fim, destacando um trecho enigmático do texto por ele assinado: “Grande parte das desigualdades enfrentadas pelas mulheres depende diretamente de políticas públicas eficientes, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança. Outras relacionam-se com cada um de nós”.
Se “grande” parte das desigualdades depende de políticas públicas, então, sejamos contra políticas públicas! Faltou alguma palavra aí. Talvez tenha sido um ato falho. A outra frase soa como uma “mea culpa”: “Outras (desigualdades enfrentadas pelas mulheres) dependem de cada um de nós”. Ótimo. Ele que faça a sua autocrítica!
Enfim, os textos de Aécio não passam de exemplos de humor mórbido ou de piada pronta.
O paradoxo feminino
por Aécio Neves, na Folha de S. Paulo
No país de Fernanda Montenegro, das saudosas Zilda Arns e Ruth Cardoso, das ministras Ellen Gracie e Carmem Lúcia, de Marina, Marta, Erundina, Benedita, da presidenta Dilma Rousseff e de tantas brasileiras que são referências na nossa sociedade, ainda é demasiadamente dura a vida das mulheres.
Para cada dado que suscita esperança -como a expectativa de vida, que entre elas subiu para 77 anos-, surgem indicadores que reiteram que os espasmos de prosperidade continuam a distribuir benefícios desiguais por escala de gênero, assim como de cor/raça e de instrução. São desoladores os desequilíbrios no universo feminino radiografados no Anuário das Mulheres Brasileiras (do Dieese) e confirmados agora pelo Fórum Econômico Mundial, cujo ranking de desigualdade entre os sexos mostrou o Brasil em 82ª posição no mundo. Atrás da Albânia, Gâmbia, Vietnã e República Dominicana. Ocupamos a pior posição na América do Sul.
Nos lares brasileiros, 35,2% das mulheres são provedoras (chega a 40,6% nas zonas metropolitanas). O salário delas é 20% menor, em média(R$ 1.423/mês, contra R$ 1.718 do homem). A maioria ainda cumpre a jornada não remunerada das tarefas domésticas. E foi dentro de sua própria casa que 43,1% das mulheres vítimas de agressão física a sofreram. Em 25,9% dos registros, os cônjuges ou ex-cônjuges são os agressores. A boa notícia é que cresceu o
inconformismo: em 2006, a Central de Atendimento à Mulher registrou 46.423 atendimentos. Em 2010, 734.416.
As dificuldades e conflitos enfrentados pelas mulheres vão muito além dos revelados por estatísticas. Termina século, começa século e elas continuam com suas duplas, triplas jornadas como profissionais, donas de casa, mães, companheiras, ativistas. É conhecido o quanto são reféns do velho dilema entre a qualidade versus a quantidade do tempo a ser dedicado aos filhos, já que
intimidade e confiança requerem convivência e, portanto, disponibilidade para serem construídas. Essa realidade é ainda mais grave para as chefes de família que vivem sob o jugo da pobreza. A esses desafios se somam lutas diárias por assistência médica, moradia digna, boa escola e emprego para os filhos.
Por mais diferentes que sejam entre si, essas, entre tantas, são questões do universo feminino ainda longe de serem superadas e que precisam ser solidariamente acolhidas. Grande parte das desigualdades enfrentadas pelas mulheres depende diretamente de políticas públicas eficientes, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança. Outras relacionam-se com cada um de nós.
Até porque os desafios que erroneamente colocamos no campo feminino dizem respeito na verdade à sociedade como um todo.
Leia também:
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário