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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A oposição está em extinção?

Uma pesquisa com deputados estaduais e vereadores mostra que só há uma posição ideológica consistente na política brasileira: a adesão ao governo. A oposição está em extinção?
Enquanto liderava a transição da ditadura para a democracia, o deputado federal Ulysses Guimarães fez a seguinte constatação a respeito da geração de políticos que chegava ao poder: Nós temos um know-how formidável para fazer oposição, mas, depois de 20 anos fora do poder, perdemos o jeito de governar. Dependendo do rigor com que se analisem as coisas atualmente, é possível afirmar que talvez ainda haja muito político procurando o tal jeito de governar. Mas não resta dúvida de que aquele formidável know-how para fazer oposição desapareceu.
Em agosto, numa entrevista a ÉPOCA, o filósofo Marcos Nobre falou sobre o severo estado de debilidade da oposição no Brasil. Ao tratar da eleição de 2010, afirmou que em nenhum momento o PSDB e seu candidato, José Serra, foram capazes de fazer uma campanha de oposição digna do nome. Serra, em sua opinião, apenas se colocava como alguém melhor que a petista Dilma Rousseff para dar sequência à política de Lula. Nobre sugeriu que tem sido fácil manter maioria no Congresso. E atribuiu a inexistência de uma oposição forte ao sucesso de um fenômeno que ele mesmo batizou de peemedebização do sistema político. Inspiradas no jeito PMDB de ser, que garante seu gigantismo, quase todas as siglas tentam ficar parecidas com o PMDB naquilo que ele tem de mais característico: o governismo.
Que Dilma dispõe de ampla maioria, todos sabem. Dos 23 partidos com representação no Congresso, 16 apoiam o governo. Na Câmara, isso é 62% dos 513 deputados. Outros 19% são de partidos que se declaram neutros. Apesar de a expressão sugerir isenção, as siglas que declaram neutralidade tendem a votar com o governo. A oposição mesmo é formada apenas pelos outros 19%, os deputados de PSDB, DEM, PPS e PSOL. Com pequenas variações, os índices do Senado são igualmente insuficientes para gerar qualquer tipo de ameaça ao governo.
Essa tendência fortemente governista estaria disseminada em Estados e municípios? A desidratação das oposições ocorre no plano regional? Para responder a essas perguntas, ÉPOCA pesquisou as correlações de força em 25 das 26 Assembleias Legislativas, na Câmara Distrital e nas Câmaras Municipais de 22 das 26 capitais. O resultado confirma a tese de Nobre. Em muitos locais, o adesismo é ainda mais radical que em Brasília. É alto, independentemente do partido do governante. O oposicionismo parece fora de moda, em extinção. As principais constatações da pesquisa.
· Nenhum governador enfrenta oposição que consiga reunir a maioria simples dos votos. Dos 1.063 deputados estaduais e distritais pesquisados, só 26% atuam em frentes oposicionistas. Os outros 74% fazem parte da base do governador ou se declaram neutros.
· Dos 27 governadores, 20 têm uma base aliada ou neutra com mais de 70% dos parlamentares. O caso mais avassalador é o Espírito Santo, onde 100% dos deputados são da base do governador Renato Casagrande (PSB).
· Com exceção do nanico PSOL, oposição nos quatro Estados onde tem deputado, nenhum partido atua contra o governo num índice superior a 50% dos Estados em que tem representação.
· A polarização presente na disputa nacional não se repete à risca nas assembleias. No Amapá, PT e PSDB estão unidos no apoio ao governo Camilo Capiberibe (PSB). No Maranhão, PT e DEM são parceiros na base de Roseana Sarney (PMDB). O mesmo ocorre em Mato Grosso e no Espírito Santo.
· O partido mais governista do Brasil é o PSB. Presente em 23 Estados, é base de 19 governadores. Isso dá 86% de adesismo. Logo atrás, com 82%, está o PSD, base em 18 dos 22 Estados onde atua. O PDT pode ser considerado o partido mais manso do país. Faz oposição apenas no Amapá. Só não é mais governista que o PSB e o PSD porque se declara neutro em quatro Assembleias.
Nas Câmaras, a situação é parecida. Só em Florianópolis a oposição tem 50% dos votos. É assim graças a uma crise que envolve o prefeito Dário Berger (PMDB). Até o primeiro semestre, Berger tinha maioria. Em 18 das 22 capitais pesquisadas, a oposição não chega a 30%.
Muitos que se declaram de oposição não discordam do governo. Só estão na oposição porque ainda não encontraram boas condições para aderir, disse Nobre ao ser apresentado ao levantamento. Esse é o retrato do peemedebismo.
Foi o PMDB que aperfeiçoou a tecnologia do adesismo. Apoiava o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, apoiou o petista Lula na maior parte do tempo e hoje apoia Dilma. Indicou a candidata a vice do tucano Serra em 2002 e indicou o vice de Dilma em 2010, Michel Temer. Hoje, ao mesmo tempo que participa do governo Dilma, faz parte do governo tucano de Geraldo Alckmin em São Paulo, um dos cotados para concorrer com Dilma em 2014. E não importa se Alckmin e o prefeito paulistano, Gilberto Kassab, tenham tido conflitos. O PMDB também faz parte da prefeitura Kassab.
Em tese, o PMDB tinha tudo para dar errado. Na única vez em que ocupou a Presidência, entre 1985 e 1990, o resultado deixou pouca saudade. Os anos do peemedebista José Sarney no Palácio do Planalto são lembrados pela hiperinflação, pelo baixo crescimento e pela desorganização social. Desde então comandado por um arranjo de lideranças regionais sem nenhuma afinidade ideológica ou programática, o PMDB nem lança candidatos próprios à Presidência. Nas únicas vezes em que disputou, deu vexame. Em 1989, Ulysses terminou em sétimo, com 4,7% dos votos. Em 1994, Orestes Quércia ficou em quarto, com 4,4% atrás do nanico Enéas Carneiro.
Sem laços com sindicatos e movimentos sociais, o PMDB também não tem ligações consistentes com intelectuais ou entidades empresariais. Criticado por práticas políticas como o fisiologismo e o clientelismo, é uma das siglas mais atingidas pelas grandes denúncias de corrupção. No governo Dilma, dois dos três ministros peemedebistas derrubados caíram por suspeitas de desvios: Wagner Rossi, da Agricultura, e Pedro Novais, do Turismo. Com Lula, o PMDB foi vidraça em escândalos envolvendo os senadores Renan Calheiros e José Sarney. Com FHC, era alvo de denúncias com Jader Barbalho.
Apesar disso, o PMDB é um enorme sucesso do ponto de vista da disputa pelo poder. Quando não é o maior, é quase sempre o segundo ou terceiro partido em qualquer região. Em 2008, foi o campeão em número de prefeitos, 1.207, e vereadores, com 8.495 eleitos. Em 2010, conseguiu eleger senadores em quantidade suficiente para manter-se como o maior partido da Casa, com 19 cadeiras. Fez ainda o segundo maior número de deputados federais, 79, e o segundo de estaduais, 147. Na garupa de Dilma, instalou Temer na Vice-Presidência. E, apesar das quedas, continua tendo o maior número de ministros no governo depois do PT, quatro pastas.
A peemedebização não tem a ver apenas com o crescimento ou a eventual hegemonia de um partido dentro do governo. Tem a ver com uma lógica, escreveu Nobre, em artigo para a revista Piauí em 2010. Aderir em troca de apoio parlamentar, manter as portas abertas para a entrada de todo tipo de político e tergiversar sobre qualquer tema um pouco mais polêmico é uma estratégia que tem dado resultados. É essa lógica que, aparentemente, muitos agora querem copiar.
Um dos casos mais representativos do adesismo ocorre na Bahia, governada pelo petista Jaques Wagner após décadas de predominância do grupo liderado por Antônio Carlos Magalhães. Classificado por muitos como oligarca, ACM sempre foi criticado por perseguir oposicionistas. Mas os governadores carlistas jamais conseguiram um índice de adesão tão alto quanto o atual. Dos 63 deputados estaduais baianos, 49 são da base de Wagner, ou 78%.
O governismo também produz comportamentos curiosos. Enquanto estava criando o PSD, Kassab disse que a sigla não seria nem de direita, nem de esquerda, nem de centro. Consolidado, o PSD foi fiel à descrição: apoia governadores tucanos, como Antonio Anastasia, em Minas Gerais, e petistas, como Wagner, na Bahia. O PSD não parece fazer distinção ideológica nem quando faz oposição. Nas duas únicas Assembleias em que não é governista (Acre e Rio Grande do Norte), opõe-se a um governador do PT, Tião Viana, e a uma do DEM, Rosalba Ciarlini.
Outro caso curioso é Rondônia. Após uma crise que minou a imagem do governador Confúcio Moura (PMDB), a maioria dos deputados resolveu sair da base. Nenhum achou que era o caso de virar oposição. Só passaram a dizer que são neutros. Assim como o Espírito Santo, em Rondônia não há sequer um deputado estadual de oposição. Na semana passada, o presidente da Assembleia e outros sete deputados foram presos pela Polícia Federal numa operação de combate à corrupção.
A fraqueza da oposição não é uma novidade no sistema político nacional. É uma tradição nos Estados brasileiros: o governador tem a caneta e os deputados são muito suscetíveis a isso, diz o cientista político David Fleischer. Quem está aliado está por cima. Quem, além disso, estiver aliado com o governo federal está melhor ainda. Para Nobre, a diferença essencial entre a situação atual e a do passado é o papel do PT, o único partido que demonstrou ter condições de sobreviver na oposição, diz. Ligado aos movimentos sociais, conseguia crescer sem estar no governo. Quando o único partido do país que tem isso vai para o poder, a oposição acaba, diz.
Nos países com poucos partidos, como Estados Unidos, França ou Inglaterra, a tendência de ocorrer um fenômeno assim é baixa. A identidade ideológica de cada partido é mais evidente. No Brasil, com quase 30 siglas, os limites são muito mais tênues. A falta de oposição enfraquece ainda mais o Legislativo, que já é visto pela população como um mero acessório, diz o cientista político Humberto Dantas.
O adesismo dá a falsa impressão de ajudar na governabilidade por tornar mais fácil aprovar leis e evitar impasses como os que travam os EUA, divididos entre republicanos e democratas. Mas no modelo brasileiro, segundo Nobre, não é o que acontece. No pacto básico do peemedebismo, quem consegue entrar e se organizar como grupo de pressão ganha poder de veto sobre sua área de interesse. Se um governante quiser fazer uma reforma profunda em alguma área, não conseguirá contrariar os interesses de um grupo que, além de aliado, já está instalado no Estado. O resultado é a paralisia, diz. País sem oposição é pobre em debates, fraco em controles, deficitário em democracia. Matéria publicada na Revista época

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