Dr. Rosinha: A visita de Obama e o oba-oba abobado da velha mídia
A mídia brasileira tem tratado a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, como um megaevento. A reação talvez seja similar a da primeira visita do Papa ao Brasil. Não existem outras pautas. Criam-se vinhetas televisivas e coberturas especiais. Parece que a encarnação viva de Deus passará por aqui no fim de semana.
por Dr. Rosinha*
Para além do mero provincianismo, a velha mídia é motivada pelo desejo de atacar a política externa do governo Lula, que estaria supostamente prestes a ser alterada pelo governo Dilma.
Conforme o desinformado desejo, a política externa do governo Lula teria apostado no “terceiromundismo” e no “antiamericanismo”, comprometendo antigas “boas relações” com os EUA. Agora, caberia a Dilma “corrigir” o desvio e reconduzir a política externa a seu paradigma histórico.
A visita de Obama representaria, assim, uma espécie de redenção do Brasil, que voltaria a ocupar seu lugar secundário na história. Daí a cobertura deslumbrada. Daí esse verdadeiro “oba-oba” abobado da velha mídia.
Mas, afora todo esse delírio ideológico, o que esperar da visita?
Na realidade, pouco. Em primeiro lugar, não ocorrerá uma correção de rumos significativa nas relações bilaterais, até mesmo porque tal correção, do ponto de vista dos interesses brasileiros, não é necessária. Não houve “desvios ideológicos”. Portanto, não há necessidade de correções substanciais, embora sempre haja espaço para aprimoramentos.
A bem da verdade, foi a recente política externa que elevou substancialmente o patamar do Brasil no cenário mundial. Por isso mesmo, o próprio embaixador norte-americano no Brasil reconhece que a nossa nação “não é mais um país emergente, mas sim um país que já emergiu”. É justamente esse novo patamar que motiva a visita de Obama.
Para um presidente com popularidade em baixa e muito abalado politicamente depois da grande derrota nas últimas eleições legislativas dos EUA, a visita ao Brasil representa uma oportunidade para mostrar algum prestígio internacional a seu público interno.
Além disso, a recuperação da economia dos EUA tem se revelado lenta. Os EUA precisam desesperadamente reduzir seu déficit comercial com o mundo e seu desemprego interno. O Brasil, uma economia em ascensão –a sétima do mundo–, representa amplas oportunidades para os norte-americanos. Eles estão muito interessados no pré-sal, ainda mais agora, quando as ditaduras pró-ocidentais do Oriente Médio estão ruindo. Também há interesse na participação da construção da infraestrutura brasileira, inclusive aquelas relativas às Olimpíadas e à Copa do Mundo.
Para o Brasil, a visita possibilita a superação de algum mal-estar recente na relação bilateral, embora as posições fundamentais devam continuar as mesmas, inclusive no que se refere às divergências referentes ao Iraque e ao Irã. Ademais, tais visitas sempre podem possibilitar maior comércio e mais investimentos.
Não de deve esperar muito, no entanto. A expectativa é de que seja assinado um acordo para simplificar as trocas comerciais e evitar barreiras técnicas e administrativas ao fluxo comercial. Isso implicaria o reconhecimento mútuo dos certificados emitidos pelo Inmetro e pelo órgão norte-americano correspondente da área. As divergências e as imensas barreiras tarifárias e não-tarifárias relativas ao protecionismo agrícola, antidumping, picos tarifários e quotas, que afetam boa parte das nossas exportações para os EUA (aço, suco de laranja, etanol, carnes, frutas, algodão, soja e derivados, etc.), continuarão a vigorar, impedindo uma ampliação significativa do comércio bilateral.
Saliente-se que os EUA perderam muita importância comercial e econômica para o Brasil. Em 2002, os EUA absorviam cerca de 24% das nossas exportações. Em 2010, essa participação caiu para 9,6%. Hoje, China, América Latina e União Europeia são mais relevantes para nós.
Do ponto de vista político-diplomático, existe a possibilidade de que Obama anuncie seu apoio à pretensão brasileira a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, como fez com a Índia no ano passado. Embora simpático e importante, um eventual apoio não geraria nenhum efeito imediato, já que a mudança da estrutura do conselho, que reflete arcaicamente o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, ainda não está na pauta atual das Nações Unidas.
Deverão também ser assinados acordos nas áreas de energias renováveis, aviação civil, espacial e de combate à discriminação de raça e gênero. São acordos relevantes, mas que não mudam a natureza das relações bilaterais, como quer dar a entender a velha mídia.
O Brasil vem se tornando um grande país graças, em boa parte, a uma política externa ousada e criativa, que diversificou parcerias estratégicas, diminuiu nossa dependência em relação a parceiros tradicionais, abriu espaços para nossas exportações e investiu na integração regional e na cooperação Sul-Sul. Foi exatamente essa política externa independente que nos tornou importantes no cenário mundial, inclusive para os EUA. Quaisquer retrocessos nessa política poderiam redundar na fragilização do nosso protagonismo internacional.
Os EUA são um país de grande peso internacional, e o aprimoramento da nossa relação bilateral é sempre bem–vindo. Esse aprimoramento jamais deveria implicar no abandono de nossas justas posições e do nosso rumo próprio, no contexto das nações. Países que investiram numa relação de dependência dos EUA, como o México, por exemplo, hoje pagam um alto preço econômico e político pela decisão equivocada.
É do interesse nacional do Brasil manter uma política externa exitosa. O aprimoramento das relações Brasil-EUA, sempre conveniente, deve se balizar pelas diretrizes dessa política, e não pelo desejo ideológico de setores conservadores, que ainda não entenderam o que aconteceu no Brasil e no mundo.
Não nos deslumbremos, portanto, com essa pirotecnia ideológica da velha mídia, até mesmo porque, espetáculo por espetáculo, certamente os shows da Shakira terão maior sucesso.
*Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e ex-presidente do Parlamento do Mercosul
Conforme o desinformado desejo, a política externa do governo Lula teria apostado no “terceiromundismo” e no “antiamericanismo”, comprometendo antigas “boas relações” com os EUA. Agora, caberia a Dilma “corrigir” o desvio e reconduzir a política externa a seu paradigma histórico.
A visita de Obama representaria, assim, uma espécie de redenção do Brasil, que voltaria a ocupar seu lugar secundário na história. Daí a cobertura deslumbrada. Daí esse verdadeiro “oba-oba” abobado da velha mídia.
Mas, afora todo esse delírio ideológico, o que esperar da visita?
Na realidade, pouco. Em primeiro lugar, não ocorrerá uma correção de rumos significativa nas relações bilaterais, até mesmo porque tal correção, do ponto de vista dos interesses brasileiros, não é necessária. Não houve “desvios ideológicos”. Portanto, não há necessidade de correções substanciais, embora sempre haja espaço para aprimoramentos.
A bem da verdade, foi a recente política externa que elevou substancialmente o patamar do Brasil no cenário mundial. Por isso mesmo, o próprio embaixador norte-americano no Brasil reconhece que a nossa nação “não é mais um país emergente, mas sim um país que já emergiu”. É justamente esse novo patamar que motiva a visita de Obama.
Para um presidente com popularidade em baixa e muito abalado politicamente depois da grande derrota nas últimas eleições legislativas dos EUA, a visita ao Brasil representa uma oportunidade para mostrar algum prestígio internacional a seu público interno.
Além disso, a recuperação da economia dos EUA tem se revelado lenta. Os EUA precisam desesperadamente reduzir seu déficit comercial com o mundo e seu desemprego interno. O Brasil, uma economia em ascensão –a sétima do mundo–, representa amplas oportunidades para os norte-americanos. Eles estão muito interessados no pré-sal, ainda mais agora, quando as ditaduras pró-ocidentais do Oriente Médio estão ruindo. Também há interesse na participação da construção da infraestrutura brasileira, inclusive aquelas relativas às Olimpíadas e à Copa do Mundo.
Para o Brasil, a visita possibilita a superação de algum mal-estar recente na relação bilateral, embora as posições fundamentais devam continuar as mesmas, inclusive no que se refere às divergências referentes ao Iraque e ao Irã. Ademais, tais visitas sempre podem possibilitar maior comércio e mais investimentos.
Não de deve esperar muito, no entanto. A expectativa é de que seja assinado um acordo para simplificar as trocas comerciais e evitar barreiras técnicas e administrativas ao fluxo comercial. Isso implicaria o reconhecimento mútuo dos certificados emitidos pelo Inmetro e pelo órgão norte-americano correspondente da área. As divergências e as imensas barreiras tarifárias e não-tarifárias relativas ao protecionismo agrícola, antidumping, picos tarifários e quotas, que afetam boa parte das nossas exportações para os EUA (aço, suco de laranja, etanol, carnes, frutas, algodão, soja e derivados, etc.), continuarão a vigorar, impedindo uma ampliação significativa do comércio bilateral.
Saliente-se que os EUA perderam muita importância comercial e econômica para o Brasil. Em 2002, os EUA absorviam cerca de 24% das nossas exportações. Em 2010, essa participação caiu para 9,6%. Hoje, China, América Latina e União Europeia são mais relevantes para nós.
Do ponto de vista político-diplomático, existe a possibilidade de que Obama anuncie seu apoio à pretensão brasileira a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, como fez com a Índia no ano passado. Embora simpático e importante, um eventual apoio não geraria nenhum efeito imediato, já que a mudança da estrutura do conselho, que reflete arcaicamente o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, ainda não está na pauta atual das Nações Unidas.
Deverão também ser assinados acordos nas áreas de energias renováveis, aviação civil, espacial e de combate à discriminação de raça e gênero. São acordos relevantes, mas que não mudam a natureza das relações bilaterais, como quer dar a entender a velha mídia.
O Brasil vem se tornando um grande país graças, em boa parte, a uma política externa ousada e criativa, que diversificou parcerias estratégicas, diminuiu nossa dependência em relação a parceiros tradicionais, abriu espaços para nossas exportações e investiu na integração regional e na cooperação Sul-Sul. Foi exatamente essa política externa independente que nos tornou importantes no cenário mundial, inclusive para os EUA. Quaisquer retrocessos nessa política poderiam redundar na fragilização do nosso protagonismo internacional.
Os EUA são um país de grande peso internacional, e o aprimoramento da nossa relação bilateral é sempre bem–vindo. Esse aprimoramento jamais deveria implicar no abandono de nossas justas posições e do nosso rumo próprio, no contexto das nações. Países que investiram numa relação de dependência dos EUA, como o México, por exemplo, hoje pagam um alto preço econômico e político pela decisão equivocada.
É do interesse nacional do Brasil manter uma política externa exitosa. O aprimoramento das relações Brasil-EUA, sempre conveniente, deve se balizar pelas diretrizes dessa política, e não pelo desejo ideológico de setores conservadores, que ainda não entenderam o que aconteceu no Brasil e no mundo.
Não nos deslumbremos, portanto, com essa pirotecnia ideológica da velha mídia, até mesmo porque, espetáculo por espetáculo, certamente os shows da Shakira terão maior sucesso.
*Dr. Rosinha, médico pediatra, é deputado federal (PT-PR) e ex-presidente do Parlamento do Mercosul
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