“Admito que o ex-presidente
pudesse estar preocupado com a realização do julgamento no mesmo
semestre das eleições. Isso aí é aceitável. Primeiro, porque é um leigo
na área do Direito. Segundo, porque integra o PT. Portanto, se o
processo envolve pessoas ligadas ao PT, obviamente, se ocorrer uma
condenação, repercutirá nas eleições municipais.”
A avaliação, simples mas
correta, foi do ministro Marco Aurélio Mello, que sempre considerei o
mais lúcido dos integrantes do Supremo Tribunal Federal.
Sim, é da natureza humana
tentarmos convencer juízes a tomarem as decisões que nos convêm. O
destrambelhado Gilmar Mendes só teria motivos para fazer a tempestade em
copo d’água que fez:
– se Lula o tivesse procurado para tentar influir na sentença do processo do mensalão;
– se Lula lhe houvesse oferecido
alguma forma de recompensa ou feito alguma ameaça, para tangê-lo a
aceitar a postergação do julgamento para depois das eleições municipais.
Ora, nem em suas declarações mais furibundas à imprensa Mendes ousou acusar Lula de estar pressionando pela absolvição dos réus.
E, mesmo se acreditarmos na
versão que Mendes deu do encontro e ninguém confirmou, a referência de
Lula a (mais) uma ligação perigosa do seu interlocutor é insuficiente
para caracterizar uma ameaça. Lula não disse nada parecido com “a
militância do PT trombeteará dia e noite que é o Carlinhos Cachoeira
quem custeia vossas viagens”, mas, apenas, sugerido que convinha ao
próprio Mendes deixar esses assuntos melindrosos para mais tarde.
É inadequado alguém falar nestes
termos a um ministro do Supremo? Sem dúvida! Mas, o que Mendes esperava,
ao aceitar um encontro a portas fechadas com Lula sem ter nada de
pertinente a tratar com ele?
Se Mendes é tão sensível a hipotéticas insinuações, certamente não as ouvirá atendo-se à liturgia do cargo.
Como explica Joaquim Falcão, professor de Direito Constitucional da FGV/RJ:
“…no STF há hoje dois perfis
distintos. De um lado ministros mais discretos, que não se pronunciam,
exceto nas audiências, e que mantêm distância de Executivo, Legislativo e
representantes de interesses em julgamento. Vida pessoal recatada.
Por outro lado há ministros que
se pronunciam fora dos autos, estão diariamente na mídia, mantêm
contatos políticos, participam de seminários e reuniões com grupos de
interesse.
A questão crucial, dizem uns,
não é se o ministro deve falar fora dos julgamentos, estar na mídia ou
se relacionar social e politicamente. A questão é haver transparência
antes, durante e depois dos relacionamentos. E que não faça política. As
agendas, os encontros, as atividades dos ministros deveriam ser
publicados de antemão.
Em alguns países o juiz não
recebe uma parte sem a presença da outra, tão grande é a preocupação com
a imparcialidade. O que alguns ministros praticam aqui no STF. Ou
grava-se a conversa para assegurar a fidelidade do que ocorreu e
proteger o ministro de propostas inadequadas”.
Mendes é o pior exemplo de
ministro pop star: pronuncia-se o tempo todo fora dos autos, só falta
pendurar uma melancia no pescoço para aparecer mais na mídia, mantém
contatos políticos a torto e direito, não recusa convites para eventos
de poderosos que têm óbvio interesse em decisões do STF.
Pior, FAZ POLÍTICA (e sempre
com viés direitista) –como quando produziu irresponsável alarmismo
acerca de um estado policial que nem remotamente se configurava, ou
quando contrapôs à frase da então ministra Dilma Rousseff, de que
“tortura é crime imprescritível”, a estapafúrdia afirmação de que
“terrorismo também é” (esquecendo não só a diferença jurídica entre
terrorismo e resistência à tirania, como também o fato de que a
imprescritibilidade do terrorismo só viria a ser introduzida nas leis
brasileiras depois dos anos de chumbo).
E nunca tem gravações para apresentar, que comprovassem suas denúncias delirantes e bombásticas.
O veterano jornalista Jânio de Freitas (vide íntegra aqui) nos brinda com uma constatação explícita e uma sugestão implícita:
“O excesso de raiva e a
aparente perda de controle em Gilmar Mendes talvez expliquem, mas não
tornam aceitável, que um ministro do Supremo Tribunal Federal faça, para
a opinião pública, afirmações tão descabidas.
…Com muita constância, somos
chamados a discutir o decoro parlamentar. Não são apenas os
congressistas, no entanto, os obrigados a preservar o decoro da função”.
Eu não insinuo, afirmo: já passou da hora de Gilmar Mendes ser submetido a impeachment.
Menos pela comédia de pastelão
que está encenando agora e mais por haver, em duas diferentes ocasiões,
privado da liberdade Cesare Battisti em função não das leis e da
jurisprudência existentes, mas da esperança que nutria de as alterar.
Quando o ministro da Justiça
Tarso Genro concedeu refúgio ao escritor italiano, cabia ao presidente
do STF suspender o processo de extradição e colocá-lo em liberdade, como
sempre se fizera. Mas decidiu mantê-lo preso, confiante em que
convenceria seus colegas ministros a detonarem a lei e a instituição do
refúgio, passando por cima do Legislativo e usurpando prerrogativa do
Executivo. Conseguiu.
Da segunda vez, quando o então
presidente Lula negou a extradição, exatamente como o Supremo o
autorizara a fazer, o relator Mendes e o presidente Cezar Peluso
apostaram de novo numa virada de mesa legal… E PERDERAM!
O desfecho do caso os tornou
responsáveis pelo SEQUESTRO de Battisti durante os cinco meses seguintes
–e nada existe de mais grave para um magistrado do que dispor
tendenciosamente da liberdade alheia, cometendo abuso gritante de
autoridade.
Se Mendes sofrer o impeachment agora, Deus estará escrevendo certo por linhas tortas.
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