Maria Inês Nassif e Najla Passos: O que vem aí na CPI
publicado em 1 de maio de 2012 às 23:01
Política| 01/05/2012
Se partidos aliados ajudarem, imprensa e procurador prestarão contas na CPMI
PT quer investigar organização criminosa e isso inclui envolvimento
da Veja no esquema de Carlinhos Cachoeira e o cochilo do
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no andamento das
investigações da Operação Monte Cassino, da Polícia Federal, concluído
em 2009. E governo promete não interferir nos trabalhos para poupar ou
para livrar investigados. A reportagem é de Maria Inês Nassif e Najla
Passos.
Se depender do PT, o jornalista Policarpo Júnior, a revista Veja, a
editora Abril e quantos mais profissionais de imprensa comprovadamente
tiverem atuado em conjunto com a organização do bicheiro Carlinhos
Cachoeira serão chamados, a seu tempo, para depor na Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que, nessa semana, começa a
revirar o esquema que envolvia o contraventor, o senador Demóstenes
Torres (GO-sem partido), o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) e outros
políticos, e tinha tentáculos em governos estaduais, em obras públicas
federais e até no Poder Judiciário.
Não existem, contudo, garantias de que os demais partidos da base
parlamentar do governo tomarão o mesmo rumo. E nem a certeza de que os
integrantes da comissão resistirão aos holofotes das televisões e a
embarcar na agenda que interessa à oposição e aos demais envolvidos no
inquérito da PF: concentrar os trabalhos unicamente nas atividades de
Cachoeira, Perillo e Torres, e eleger a construtora Delta como única
algoz dos crimes cometidos.
Também não deverá ser poupado o procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, que engavetou, em 2009, os autos da Operação Las Vegas,
feita pela Polícia Federal, que já tinha elementos suficientes para
justificar juridicamente a investigação do senador Demóstenes e as
relações de Cachoeira com diversas instâncias do poder público. “É
insustentável o argumento do procurador, de que aguardava o resultado da
Operação Monte Carlo, que só começou em 2011”, disse um membro do PT
que tem uma posição de destaque na política nacional.
“Este é um caso de aparelhamento da estrutura do Estado pelo crime
organizado”, concluiu a fonte. O partido também não tem a intenção de
recuar para poupar o governador do DF, Agnelo Queiroz, se for
efetivamente comprovada a sua participação no esquema: o que está em
jogo vale mais do que um político vindo do PCdoB apenas para disputar a
eleição do DF, sem vínculos orgânicos com o PT. E o Palácio do Planalto
não pretende mover uma palha para interferir nos trabalhos dos
parlamentares – isto quer dizer que qualquer pressão dos envolvidos
sobre o Executivo será considerada como um “erro de endereço”.
“O que a CPMI se propõe a investigar é uma rede de negócios montada a
partir de tráfico de influência. Seria justo julgar apenas um membro do
Legislativo por esses crimes?”, indaga o líder do PT no Senado, Walter
Pinheiro (BA). Por falta de confiança nos aliados, todavia, a ideia é
não forçar depoimentos nem acusar culpas “a partir de notícias”. “Essa
comissão é diferente das outras: já existe um vasto inquérito feito pela
Polícia Federal”, explica Pinheiro. Os fatos fatalmente virão a
público, na medida em que os autos do inquérito forem se abrindo aos
membros da comissão.
As convocações serão feitas conforme surgirem, de forma a não expor
antecipadamente os integrantes da CPMI à pressão dos meios de
comunicação. Teoricamente, existiriam condições objetivas para levar com
êxito essa estratégia na CPMI: a base governista tem maioria e vários
integrantes foram vítimas diretas do esquema de escuta montado por
Cachoeira, da ofensiva raivosa do senador Demóstenes Torres, ou de
ambos.
Na última semana, por exemplo, o líder do PMDB no Senado, Renan
Calheiros, não cansava de repetir o seu lado de história para os demais
colegas, em plenário, e para integrantes do governo Dilma. Em 2007, em
meio a um escândalo que envolvia a sua vida pessoal, Calheiros, então
presidente da Câmara, conseguiu reverter, no Senado, uma tendência
contrária à sua cassação pelo plenário da Casa. Na véspera da votação, a
revista Veja publicou escutas e a versão da ida de um assessor do
presidente do Senado a Goiás, para levantar algumas informações de
interesse partidário.
A Veja reportou e vendeu a versão de que, na viagem, o objetivo de
Francisco Escórcio era colher informações sobre o senador Demóstenes
Torres – Renan, segundo a revista, estaria fazendo isso com vários
senadores, para chantageá-los em plenário e obrigá-los a votar contra a
sua cassação. Vários senadores, que já haviam fechado com Calheiros,
mudaram o voto, argumentando que não poderia parecer à opinião pública
que estariam se curvando a um esquema de chantagem. Para salvar o
mandato, o senador alagoano abriu mão da Presidência do Senado.
Ainda que outros senadores do PMDB tenham razões e ressentimentos
contra o esquema Cachoeira – existe a suspeita, por exemplo, de que foi o
mesmo esquema de arapongagem do contraventor que provocou o caso Lunus,
que acabou com a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da
República, em 2006 –, os parceiros petistas não confiam inteiramente na
disposição de seus pares de comprar uma briga com a imprensa. Existem
muitos interesses envolvidos, e essa pode ser uma chance de recomposição
desses setores políticos com a mídia tradicional.
De qualquer forma, para o PT a CPMI é a porta de acesso aos autos não
apenas da Operação Monte Cassino, objeto dos vazamentos que implicaram
Demóstenes e Perillo no esquema Cachoeira, mas na Operação Las Vegas,
que foi entregue pela PF ao procurador-geral da República em 2009, e da
qual pouco se sabe. Seguramente, as informações dessa operação que
antecedeu a Monte Cassino trazem o tamanho da omissão do
procurador-geral da República. Ao que tudo indica, o resultado das
investigações concluídas em 2009 já davam elementos suficientes para
fechar o cerco em torno de Demóstenes e Perillo.
Gurgel, o procurador, no mínimo beneficiou-os com a “cochilada”.
Existe potencial para que os autos da primeira operação atinjam um
número maior de pessoas, mas Gurgel pode ser um alvo unânime dos
parlamentares. “Tem muita gente se perguntando por que o procurador foi
tão rápido em processos que os envolviam, e tão lento nos que diziam
respeito a Demóstenes”, disse uma fonte do PT. Embora uma vastidão de
interesses e ressentimentos seja um potencial mobilizador dessa CPI, a
ação de parlamentares aliados, mesmo os da esquerda, relativizam essa
possibilidade.
Na semana passada, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) articulava às
claras uma solução jurídica para impedir a convocação de jornalistas e
empresas de comunicação. Invocou o artigo 207 do Código Penal, que
proíbe a tomada de depoimentos das pessoas protegidas por segredo
profissional. “Não se chama um padre para depor”, argumentava Teixeira.
“Os jornalistas podem alegar essas razões para não depor, mas isso não
impede que sejam chamadas”, contrapôs o deputado Cândido Vaccarezza
(PT-SP), também membro da comissão.
A outra forma de concentrar excessivamente as investigações da CPI na
Construtora Delta, do esquema de Cachoeira, foi um acordo feito entre
oposição e chamados “independentes” de “seguir o dinheiro”, também uma
proposta de Teixeira. As relações do esquema Cachoeira com a Veja, na
opinião de parlamentares ouvidos pela Carta Maior não necessariamente
envolveram dinheiro, embora obrigatoriamente tenham envolvido tráfico de
influência, o que configura crime da mesma forma.
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