Mino e a CPI: a Veja,
Dantas e a bandidagem
Momento épico. Um daqueles atingidos pela Veja. E onde ficam os porões, caras-pálidas?
Por que a mídia nativa fecha-se em
copas diante das relações entre Carlinhos Cachoeira e a revista Veja? O
que a induz ao silêncio? O espírito de corpo? Não é o que acontece nos
países onde o jornalismo não se confunde com o poder e em vez de servir a
este serve ao seu público. Ali os órgãos midiáticos estão atentos aos
deslizes deste ou daquele entre seus pares e não hesitam em denunciar a
traição aos valores indispensáveis à prática do jornalismo. Trata-se de
combater o mal para preservar a saúde de todos. Ou seja, a dignidade da
profissão.
O Reino Unido é excelente e
atualíssimo exemplo. Estabelecida com absoluta nitidez a diferença entre
o sensacionalismo desvairado dos tabloides e o arraigado senso de
responsabilidade da mídia tradicional, foi esta que precipitou a CPI
habilitada a demolir o castelo britânico de Rupert Murdoch. Isto é, a
revelar o comportamento da tropa murdoquiana com o mesmo empenho
investigativo reservado à elucidação de qualquer gênero de crime. Não
pode haver condão para figuras da laia do magnata midiático australiano e
ele está sujeito à expulsão da ilha para o seu bunker nova-iorquino,
declarado incapaz de gerir sua empresa.
O Brasil não é o Reino Unido, a
gente sabe. A mídia britânica, aberta em leque, representa todas as
correntes de pensamento. Aqui, terra dos herdeiros da casa-grande e da
senzala, padecemos a presença maciça da mídia do pensamento único. Na
hora em que vislumbram a chance, por mais remota, de algum risco, os
senhores da casa-grande unem-se na mesma margem, de sorte a manter seu
reduto intocado. Nada de mudanças, e que o deus da marcha da família nos
abençoe. A corporação é o próprio poder, de sorte a entender liberdade
de imprensa como a sua liberdade de divulgar o que bem lhe aprouver. A
distorcer, a inventar, a omitir, a mentir. Neste enredo vale acentuar o
desempenho da revista Veja. De puríssima marca murdoquiana.
Não que os demais não mandem às
favas os princípios mais elementares do jornalismo quando lhes convém.
Neste momento, haja vista, omitem a parceria Cachoeira-Policarpo Jr.,
diretor da sucursal de Veja em Brasília e autor de algumas das mais
fantasmagóricas páginas da semanal da Editora Abril, inspiradas e
adubadas pelo criminoso, quando não se entregam a alguma pena inspirada à
tarefa de tomar-lhe as dores. Veja, entretanto, superou-se em uma série
de situações que, em matéria de jornalismo onírico, bateram todos os
recordes nacionais e levariam o espelho de Murdoch a murmurar a
possibilidade da existência de alguém tão inclinado à mazela quanto ele.
E até mais inclinado, quem sabe.
O jornalismo brasileiro sempre
serviu à casa-grande, mesmo porque seus donos moravam e moram nela.
Roberto Civita, patrão abriliano, é relativamente novo na corporação.
Sua editora, fundada pelo pai Victor, nasceu em 1951 e Veja foi lançada
em setembro de 1968. De todo modo, a se considerarem suas intermináveis
certezas, trata-se de alguém que não se percebe como intruso, e sim como
mestre desbravador, divisor de águas, pastor da grei. O sábio que
ilumina o caminho. Roberto Civita não se permite dúvidas, mas um
companheiro meu na Veja censurada pela ditadura o definia como inventor
da lâmpada Skuromatic, aquela que produz a treva ao meio-dia.
Indiscutível é que a Veja tem
assumido a dianteira na arte de ignorar princípios. A revista exibe um
currículo excepcional neste campo e cabe perguntar qual seria seu
momento mais torpe. Talvez aquele em que divulgou uma lista de figurões
encabeçada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, apontados como donos de contas em paraísos fiscais.
Lista fornecida pelo banqueiro
Daniel Dantas, especialista no assunto, conforme informação divulgada
pela própria Veja. O orelhudo logo desmentiu a revista, a qual, em
revide, relatou seus contatos com DD, sem deixar de declinar-lhes hora e
local. A questão, como era previsível, dissolveu-se no ar do trópico.
Miúda observação: Dantas conta entre seus advogados, ou contou, com Luiz
Eduardo Greenhalgh e Márcio Thomaz Bastos, e este é agora defensor de
Cachoeira. É o caso de dizer que nenhuma bala seria perdida?
Sim, sim, mesmo os mais
eminentes criminosos merecem defesa em juízo, assim como se admite que
jornalistas conversem com contraventores. Tudo depende do uso das
informações recebidas. Inaceitável é o conluio. A societas sceleris. A
bandidagem em comum.
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