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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Como a “rainbow coalition” implodiu nos Estados Unidos

por Luiz Carlos Azenha
Dizem que o Brasil não inventou nada, só a jabuticaba. Com certeza não foi inventada no Brasil a chamada ”rainbow coalition”, a chamada coalizão arco-íris, que pretendia aglutinar distintas forças progressistas para aumentar a capacidade eleitoral do todo. Essa coalizão foi inventada nos Estados Unidos, nos anos 80, parcialmente em reação às políticas sociais de Ronald Reagan. Era uma aglutinação de ativistas de distintas causas: feministas, defensores da causa gay, ambientalistas, movimento negro, sindicalistas, religiosos progressistas…
Era uma força não apenas eleitoral, mas de militância direta,  não necessariamente ligada a partidos políticos. Grupos organizados de pressão, que atuavam diretamente junto ao Parlamento, aglutinando militantes e intelectuais. Uma força política fragmentada, mais poderosa no lobby do que na ação de massa – que requer uma capacidade de mobilização e de negociação política ampla e propostas conjuntas que tenham tração. Explico: é muito mais fácil aglutinar pessoas em torno do direito de voto da mulher do que em defesa do aborto, por exemplo. A primeira questão pode ser facilmente identificada como causa praticamente universal e direito fundamental. A segunda questão, por exigir um debate muito mais aprofundado e detalhado, repleto de nuances, requer um trabalho político cuidadoso, repleto de armadilhas, especialmente em período eleitoral.
A coalizão arco-íris obteve vitórias aqui ou ali, nos Estados Unidos. Mas entrou em refluxo por diversas causas: a especialização dos grupos de pressão voltados para o lobby parlamentar contribuiu para afastar os diferentes grupos de um projeto político comum; a falta de articulação entre os militantes contribuiu para o sectarismo, ou seja, eu só aceito defender as cotas para os negros se você defender a adoção de filhos por casais homossexuais. Em vez de defender primeiro as ideias com as quais poderiam conquistar maior tração política, ou seja, fortalecendo o conjunto, a rainbow coalition se enfraqueceu pelo sectarismo e por priorizar a parte sobre o todo.
Nos Estados Unidos, o sucesso eleitoral de Ronald Reagan, em 1980, nasceu de uma articulação da direita religiosa — católicos, evangélicos, grupos judaicos — com a base não tradicional do Partido Republicano (a vertente tradicional do partido, composta pelos conservadores fiscais que eram liberais nos costumes, foi chutada para escanteio em nome da nova aliança). A esquerda passou a ser tachada não apenas de totalitária, mas de moralmente decadente. Ser “liberal”, então, tornou-se o equivalente a ser criminoso. Os integrantes da American Civil Liberties Union, ACLU, fizeram o papel dos “comunistas de carteirinha” (card-carrying liberal).
No Brasil, a tal coalizão progressista se articulou primeiro na campanha das diretas e, eleitoralmente, na primeira campanha de Lula, em 1989. Agora, aparentemente, vemos o nascimento no Brasil da articulação entre os neocons e a direita religiosa.
Essa reflexão se faz necessária neste momento eleitoral porque vejo algumas pessoas bem intencionadas, que se dizem progressistas, incorrer no mesmo erro que levou à implosão da coalizão dos Estados Unidos, a que assisti como espectador privilegiado — eu era correspondente em Nova York, então. Essas pessoas, agora, demonstram incapacidade de se articular com o todo em cima de interesses conjuntos e optam por travar a disputa em questões que não são nem consensuais, nem prioritárias.  Esse tipo de comportamento é muito comum nos radicais de teclado, sem experiência ou maturidade política, engajados em messianismo eletrônico.
Quem investe na política fragmentária, fragmento será.

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