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terça-feira, 31 de maio de 2011

Um terço das aulas é gasto com atividades burocráticas
Aprendizado do brasileiro é pior do que o de estudantes das nações da OCDE
Publicado no Jornal OTEMPO em 29/05/2011

ANDRÉA JUSTE
FOTO: CHARLES SILVA DUARTE
Corrida. Professor corre contra o tempo para chegar a outra turma e garantir o máximo de aproveitamento em sala de aula
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A matéria do dia já está no quadro negro, às 8h40. Cinco minutos mais tarde, o professor de matemática José Márcio de Oliveira entra na sala do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual Técnico Industrial Professor Fontes, no bairro Cidade Nova, região Nordeste de Belo Horizonte. Outros três minutos se passam até que os alunos adolescentes entrem. E pelo menos mais dois minutos até o professor, enfim, conseguir a atenção dos estudantes. Dos 50 minutos previstos de aula, restam 40 para que ele passe o conteúdo da disciplina.
Oliveira não está sozinho nessa luta contra o relógio acompanhada pela reportagem. Uma pesquisa do Banco Mundial (Bird) revelou que, em média, pouco mais de um terço (34%) da aula de 50 minutos no Brasil é consumido com atividades burocráticas - disciplina, chamada e distribuição de tarefas. A avaliação foi feita nas escolas estaduais de Minas Gerais e Pernambuco e municipais do Rio de Janeiro, em 2008 e 2009.
Segundo a pesquisa, coordenada pela economista principal do Banco Mundial para Educação na América Latina, Barbara Bruns, 66% do tempo destinado ao conteúdo, em média, está abaixo do percentual encontrado nas nações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesses países, 85% do tempo é usado para o aprendizado. Enquanto no Brasil a média de tempo de aprendizagem é de 33 minutos, nos países da OCDE, é de 42 minutos e 30 segundos.

Indisciplina. Entre um pedido para beber água, outro para ir ao banheiro e diversas intervenções para chamar a atenção dos adolescentes, Oliveira consegue explicar a resolução dos exercícios. Segundo ele, as quatro aulas semanais são insuficientes. "O ideal seriam seis", opina. Mesmo assim, ele opta por fazer a chamada diariamente. "(Isso) me permite visualizar as ausências, saber se existe algum problema", conta. Ele sugere, porém, que é possível otimizar esse tempo, conferindo a lista do professor anterior.
Descaso. Na opinião do economista Gustavo Ioschpe, especialista em economia da educação, os estudantes brasileiros são tratados com descaso pelo sistema educacional. "Nos países em que a educação dá certo, há um comprometimento maior com a ideia de que o aluno precisa aprender e de que a escola e seus profissionais devem ser cobrados por isso", fala.
"Estamos aferrados à ideia de que o importante é colocar a criança na escola, e pronto, e que não é possível se esperar muito do sistema educacional por conta da pobreza do país, o que é uma enorme mentira", alerta Ioschpe.
Carga horária
Congresso. Está em votação um projeto de lei que aumenta de 800 para 960 horas anuais a carga horária para os ensinos fundamental, médio e infantil. O texto prevê ainda aumentar a frequência mínima de 75% para 80%.
FOTO: Alex de Jesus
Atenção. Professor José Márcio de Oliveira leciona há 17 anos e diz que falta perspectiva aos alunos
Alternativas
Tecnologia ajuda a ganhar tempo
O uso da tecnologia pode ajudar a contornar o tempo gasto com as atividades burocráticas. O colégio Pitágoras, unidade do bairro Cidade Jardim, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, por exemplo, oferece recursos multimídia aos professores, para que não precisem escrever no quadro a todo momento. Para Francisco de Assis Assunção, professor de matemática, é interessante não escrever tanto no quadro para tentar preservar a atenção dos adolescentes.
Para ganhar tempo e conteúdo, o Pitágoras também disponibiliza os deveres no site da escola. "Tem uma pasta que passa na sala e onde o professor anota as tarefas. Depois, o conteúdo é colocado no site", explica a diretora da unidade, Cristina Durzi Sarsur.
Daniel Borges da Silva, diretor da Escola Estadual Professor Fontes, diz que o colégio é "até privilegiado" porque conta com recursos de data show. "Temos quatro (equipamentos) data show que podem ir para sala de aula, com notebook, e estamos tentando adquirir outros dois", disse. Cristina lembra, entretanto, que o bom professor deve saber como cada pessoa aprende. "Tem aluno que precisa registrar. Outros aprendem ouvindo".
Com ou sem tecnologia, o especialista em educação Gustavo Ioschpe alerta que os professores precisam ter interesse em melhorar. "Todo professor, por pior que seja sua formação e por menos apoio que tenha da direção da sua escola, pode fazer com que menos tempo de sua aula seja gasto em atividades irrelevantes para o ensino", afirma. (AJ)
FOTO: CHARLES SILVA DUARTE
Desafio. O professor de matemática Francisco de Assis Assunção diz que é comum o aluno se distrair
Indisciplina
Docentes devem criar regras e "combinados" com cada turma
A aula de produção de textos do Colégio Pitágoras, unidade do bairro Cidade Jardim, no quarto horário de quinta-feira, desperta o interesse da maioria dos alunos. Mas a reportagem flagra aqueles que insistem em buscar distrações – mexer no celular ou até tirar um cochilo, debruçado na carteira.
O professor Francisco de Assis Assunção faz diversas interrupções para atrair a atenção de todos. Algumas vezes, nem mesmo precisa interromper sua fala e apenas olha com seriedade para os estudantes que atrapalham o andamento da aula.
Assunção diz que é comum os alunos terem momentos de desconcentração. "É normal o aluno dispersar, pois alterna momentos de interesse. As retomadas (de raciocínio) acontecem a todo instante", explica. "O rendimento vai depender da matéria e da turma, que pode estar dispersa. E também do jeito que o professor conduzir a aula", justifica uma aluna.
Para o professor de matemática José Márcio de Oliveira, da Escola Estadual Professor Fontes, no bairro Cidade Nova, os jovens estudantes não se preocupam em aprender porque não têm "noção do futuro". "Eles não sabem por que têm que estudar matemática, por exemplo. Falta a contextualização da escola na vida deles. Eles precisam entender as profissões do mundo, ter perspectiva, pois muitos sonham é em ganhar um salário mínimo", afirma. Ele defende que a escola em tempo integral pode ajudar a formar melhor esses jovens. "O rendimento em sala depende do comportamento da turma e varia muito do professor, do jeito que ele se impõe e determina o tempo para a aula", fala um estudante da Professor Fontes.
A diretora do Pitágoras da Cidade Jardim, Cristina Durzi Sarsur, acredita que toda escola enfrenta problemas com a falta de disciplina dos alunos. "Nós reforçamos a liderança do professor. É preciso dar condições de trabalho. Ele é o responsável pela transmissão de conteúdo", explica a diretora. Para ela, cada professor deve ter "combinados" e regras com as turmas.
Cristina ressalta, porém, o silêncio em sala não significa atenção dos jovens. "Disciplina é fazer com que o aluno faça o que deve no momento certo", explica. Além disso, afirma, o comprometimento da família é fundamental para que o aluno tenha interesse em aprender. "Se o estudante vir o pai lendo, a mãe estudando, vai valorizar a escola. Se tem motivação, sabe que precisa estudar para melhorar sua qualidade de vida". (AJ)
Minientrevista
"Simplesmente, ninguém ensinou aos professores como se dá aula"
Cláudio de Moura Castro Economista Assessor Especial da Presidência do Grupo Positivo
Qual a sua avaliação sobre o sistema de ensino no Brasil?
Da perspectiva histórica e puramente quantitativa, o sistema atual é um grande sucesso. Ao cabo de cinco séculos, conseguimos universalizar o ensino básico e dar um grande salto no médio. Isso foi feito ainda no século XIX pelos países da Europa e quase feito pela Argentina e Uruguai, no mesmo período. Só nos últimos anos, nós conseguimos isso. É uma vergonha haver levado tanto tempo, mas é assunto para comemorações. Do ponto de vista da qualidade, era ruim e continua ruim. Mas, pelo menos, apesar da grande expansão da matrícula, não piorou, o que podia haver acontecido. Nos últimos dois ou três anos, deu um salto considerável. Ainda é cedo para dizer se continuará a melhorar, mas sempre é um avanço.
A pesquisa compara os resultados do Brasil com os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que 85% do tempo é usado para o aprendizado. Quais as diferenças da educação no país para com esses demais?
É pura aritmética. O tempo gasto na burocracia é perdido para o aprendizado. Faz uns 20 anos, o Banco Mundial fez outra pesquisa semelhante e encontrou entre 25% e 50% de tempo copiando-se do quadro negro, o que é igualmente estéril do ponto de vista do aprendizado. Simplesmente, ninguém ensinou aos professores como se dá aula, como se prepara aula, como se distribui o tempo durante os 50 minutos de aula. Em vez disso, aprenderam a papaguear frases dos gurus de plantão. Nos países de boa educação, os professores aprendem os conteúdos que deverão ensinar e aprendem a dar aula. Aqui não.
Sobre o dado de 34% do tempo destinado a atividades burocráticas, quais as consequências para o rendimento escolar, aprendizado e para o contexto da educação no Brasil?
É a mesma coisa, gasto na burocracia, roubado do aprendizado de coisas importantes.
O que precisa ser feito para mudar essa estatística no Brasil?
Precisamos de uma mudança radical nas faculdades de educação. Não faz sentido aprender marxismo de segunda, sociologia de terceira classe, memorizar frases dos pedagogos da moda e não aprender a dar aula.
Como esse estudo pode contribuir para mudanças na educação?
É sempre um processo lento. Mas, ao darmos mais visibilidade aos problemas e à sua verificação quantitativa, estamos criando massa crítica para a mudança. Pode ser uma lenta evolução ou pode ser um administrador destemido que cria fatos consumados e bruscos. (AJ)

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