General assegura: ditadura militar, “nunca mais”
General Adhemar da Costa Machado Filho
Em palestra perante um auditório de extrema direita e de dirigentes da TFP, o comandante militar do Sudeste, general Adhemar da Costa Machado Filho afasta a possibilidade de intervenção militar para barrar o desenvolvimento democrático.
Por José Carlos Ruy
Uma notícia de grande importância quase não foi notada no ultimo final de semana: o comandante militar do Sudeste, general Adhemar da Costa Machado Filho, assegurou em palestra perante a cúpula da TFP e de uma parte significativa da extrema direita brasileira que ditadura militar, “nunca mais”.
A palestra foi relatada em artigo do repórter Roldão Arruda em O Estado de S. Paulo (“Caserna longe da crise com o governo”, 17 de março), e a afirmação do general confirma o profissionalismo e o espírito cívico e constitucionalista que prevalece entre os oficiais das Forças Armadas, desautorizando as vozes saudosas da ditadura militar que se manifestam (em documentos assinados inclusive por oficiais acusados de tortura) contra a apuração dos crimes cometidos pela repressão durante os governos militares de 1964 a 1985.
A palestra foi promovida em São Paulo pelo Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, que reúne uma parcela considerável da organização ultradireitista Tradição Família e Propriedade. Entre as 200 pessoas que ouviram o general estavam altos dirigentes daquela entidade reacionária, como o príncipe d. Bertrand de Orleans e Bragança (que se apresenta como herdeiro da monarquia brasileira), e o empresário Adolpho Lindenberg, presidente do instituto.
A descontração do general contrastou com a tensão na plateia, diz a reportagem. É compreensível: enquanto aquele comandante enfatizou questões como o profissionalismo dos militares e a modernização das Forças Armadas, o objetivo de seus ouvintes conservadores era outro, claramente político. Como no passado, a extrema direita mantém a esperança de uma intervenção dos militares num quadro político em que a influência conservadora é declinante.
A plateia direitista ouviu o que não quis. A frase do general foi provocada por um bilhete vindo da plateia, que dizia: "O que mais tenho ouvido é elogio ao período militar, em comparação com a situação atual. Urge uma intervenção. Caso contrário seguiremos nessa senda nefasta em direção à ditadura da qual nos livramos em 1964."
A resposta jogou água fria nas esperanças golpistas insinuadas no bilhete, registrou a reportagem: O general juntou as mãos e, após breve silêncio, respondeu: "Dias atrás me perguntaram: 'General, quando os senhores voltam?' Respondi: 'Nunca mais. O Brasil mudou'."
E enfatizou, para não deixar dúvida: as Forças Armadas são "um instrumento do Estado brasileiro a serviço do governo eleito democraticamente". E foi além. Sem citar explicitamente a Comissão da Verdade, disse: "Nós olhamos para o futuro. Não olhamos pelo espelho retrovisor".
As palavras do general Adhemar da Costa Machado Filho precisam ser registradas. Elas revelam uma inflexão política fundamental ocorrida nas últimas décadas, com o crescimento entre os militares da consciência democrática, legalista e profissionalista, e também da compreensão de que as Forças Armadas são instrumentos constitucionais para a afirmação da soberania nacional. "Somos o quinto país em extensão territorial e a sexta economia do mundo. Um país como esse precisa de Forças Armadas à altura da posição que ocupa", disse ele, com razão.
A experiência brasileira desde final da Segunda Guerra Mundial foi marcada pela intensa intervenção militar na política e pelo embate entre duas correntes militares. Uma, nacionalista e democrática, lutou pela soberania do país, pelo desenvolvimento econômico e pelo bem estar dos brasileiros. A outra, que unia fascistas, conservadores, autoritários e chefes militares alinhados com os EUA, acabou prevalecendo com o golpe militar de 1964. Sob seu comando a democracia foi eliminada, o desenvolvimento nacional autônomo foi abandonado e o alinhamento automático com os EUA comprometeu gravemente a soberania nacional. O general Castelo Branco, que inaugurou depois do golpe de 1º de abril de 1964 a série de generais presidentes foi explícito nessa afronta à soberania nacional em um discurso pronunciado no Itamarati, em 31 de julho de 1964, quando estava no comando da presidência da República: “no presente contexto de uma confrontação de poder bipolar, com radical divórcio político ideológico entre os dois respectivos centros, a preservação da independência pressupõe a aceitação de certo grau de interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer no político”. Isto é, pregava abertamente o abandono da soberania nacional, afrontando abertamente a missão constitucional e histórica das Forças Armadas, que é justamente a defesa intransigente da soberania e da independência do país.
A influência dos generais sobre o governo manteve-se até o final do mandato do presidente José Sarney que, particularmente durante o período da elaboração da Constituição de 1988, ficou sob a tutela do então ministro do Exército, o general Leônidas Pires Gonçalves. Um oficial conservador que, entre 1974 e 1977, foi chefe do Estado Mario do então I Exército (no Rio de Janeiro), ao qual o DOI-Codi carioca estava subordinado. Ele estava nessa função quando ocorreu, em São Paulo, em dezembro de 1976, o Massacre da Lapa, articulado por militares da repressão sediados no Rio de Janeiro.
Com Fernando Collor de Mello, que sucedeu a Sarney na presidência da República, teve início o desmonte das Forças Armadas, dentro do projeto de desmonte do Estado Nacional e submissão do Brasil aos ditames das potências imperialistas. Esse projeto foi aprofundado durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso, sucateando as Forças Armadas brasileiras, chegando ao vexame de muitos quartéis e instalações militares não terem sequer como alimentar os recrutas, que passaram a ser liberados para fazer suas refeições em casa.
Este foi o resultado nefasto da vitória da corrente antidemocrática que levou à ditadura militar, aos crimes cometidos pela repressão e, no limite - durante os governos civis neoliberais dirigidos pelas mesmas forças da direita que prevaleceram durante a ditadura militar - à ameaça de desmantelamento das Forças Armadas, abrindo mão deste instrumento fundamental para a defesa e afirmação da soberania do país.
O profissionalismo e o sentimento democrático dos oficiais contemporâneos decorrem dessa dupla experiência: primeiro, do aprofundamento das conquistas democráticas no país (“o Brasil mudou”, disse o general) e do alinhamento dos novos oficiais a seus deveres legais e constitucionais. A outra experiência, de caráter corporativo, decorre da ameaça de desmonte enfrentada nos governos neoliberais.
No passado, os políticos conservadores e golpistas que rodeavam os quartéis em busca da intervenção militar eram designados como “cassandras” ou “vivandeiras” - intrigueiros que buscavam o uso da força armada para objetivos particulares, invariavelmente ilegais ou inconstitucionais. Na última quinta-feira, as cassandras contemporâneas, ao fazerem apelo semelhante a um alto comandante do Exército, ouviram um sonoro não. Mais um sinal do declínio da direita fascista e golpista (que combina com o declínio eleitoral dos partidos conservadores, como o DEM, por exemplo), que aponta para a consolidação e fortalecimento institucionais no Brasil. Quem ganha com isso é a democracia.
A palestra foi relatada em artigo do repórter Roldão Arruda em O Estado de S. Paulo (“Caserna longe da crise com o governo”, 17 de março), e a afirmação do general confirma o profissionalismo e o espírito cívico e constitucionalista que prevalece entre os oficiais das Forças Armadas, desautorizando as vozes saudosas da ditadura militar que se manifestam (em documentos assinados inclusive por oficiais acusados de tortura) contra a apuração dos crimes cometidos pela repressão durante os governos militares de 1964 a 1985.
A palestra foi promovida em São Paulo pelo Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, que reúne uma parcela considerável da organização ultradireitista Tradição Família e Propriedade. Entre as 200 pessoas que ouviram o general estavam altos dirigentes daquela entidade reacionária, como o príncipe d. Bertrand de Orleans e Bragança (que se apresenta como herdeiro da monarquia brasileira), e o empresário Adolpho Lindenberg, presidente do instituto.
A descontração do general contrastou com a tensão na plateia, diz a reportagem. É compreensível: enquanto aquele comandante enfatizou questões como o profissionalismo dos militares e a modernização das Forças Armadas, o objetivo de seus ouvintes conservadores era outro, claramente político. Como no passado, a extrema direita mantém a esperança de uma intervenção dos militares num quadro político em que a influência conservadora é declinante.
A plateia direitista ouviu o que não quis. A frase do general foi provocada por um bilhete vindo da plateia, que dizia: "O que mais tenho ouvido é elogio ao período militar, em comparação com a situação atual. Urge uma intervenção. Caso contrário seguiremos nessa senda nefasta em direção à ditadura da qual nos livramos em 1964."
A resposta jogou água fria nas esperanças golpistas insinuadas no bilhete, registrou a reportagem: O general juntou as mãos e, após breve silêncio, respondeu: "Dias atrás me perguntaram: 'General, quando os senhores voltam?' Respondi: 'Nunca mais. O Brasil mudou'."
E enfatizou, para não deixar dúvida: as Forças Armadas são "um instrumento do Estado brasileiro a serviço do governo eleito democraticamente". E foi além. Sem citar explicitamente a Comissão da Verdade, disse: "Nós olhamos para o futuro. Não olhamos pelo espelho retrovisor".
As palavras do general Adhemar da Costa Machado Filho precisam ser registradas. Elas revelam uma inflexão política fundamental ocorrida nas últimas décadas, com o crescimento entre os militares da consciência democrática, legalista e profissionalista, e também da compreensão de que as Forças Armadas são instrumentos constitucionais para a afirmação da soberania nacional. "Somos o quinto país em extensão territorial e a sexta economia do mundo. Um país como esse precisa de Forças Armadas à altura da posição que ocupa", disse ele, com razão.
A experiência brasileira desde final da Segunda Guerra Mundial foi marcada pela intensa intervenção militar na política e pelo embate entre duas correntes militares. Uma, nacionalista e democrática, lutou pela soberania do país, pelo desenvolvimento econômico e pelo bem estar dos brasileiros. A outra, que unia fascistas, conservadores, autoritários e chefes militares alinhados com os EUA, acabou prevalecendo com o golpe militar de 1964. Sob seu comando a democracia foi eliminada, o desenvolvimento nacional autônomo foi abandonado e o alinhamento automático com os EUA comprometeu gravemente a soberania nacional. O general Castelo Branco, que inaugurou depois do golpe de 1º de abril de 1964 a série de generais presidentes foi explícito nessa afronta à soberania nacional em um discurso pronunciado no Itamarati, em 31 de julho de 1964, quando estava no comando da presidência da República: “no presente contexto de uma confrontação de poder bipolar, com radical divórcio político ideológico entre os dois respectivos centros, a preservação da independência pressupõe a aceitação de certo grau de interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer no político”. Isto é, pregava abertamente o abandono da soberania nacional, afrontando abertamente a missão constitucional e histórica das Forças Armadas, que é justamente a defesa intransigente da soberania e da independência do país.
A influência dos generais sobre o governo manteve-se até o final do mandato do presidente José Sarney que, particularmente durante o período da elaboração da Constituição de 1988, ficou sob a tutela do então ministro do Exército, o general Leônidas Pires Gonçalves. Um oficial conservador que, entre 1974 e 1977, foi chefe do Estado Mario do então I Exército (no Rio de Janeiro), ao qual o DOI-Codi carioca estava subordinado. Ele estava nessa função quando ocorreu, em São Paulo, em dezembro de 1976, o Massacre da Lapa, articulado por militares da repressão sediados no Rio de Janeiro.
Com Fernando Collor de Mello, que sucedeu a Sarney na presidência da República, teve início o desmonte das Forças Armadas, dentro do projeto de desmonte do Estado Nacional e submissão do Brasil aos ditames das potências imperialistas. Esse projeto foi aprofundado durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso, sucateando as Forças Armadas brasileiras, chegando ao vexame de muitos quartéis e instalações militares não terem sequer como alimentar os recrutas, que passaram a ser liberados para fazer suas refeições em casa.
Este foi o resultado nefasto da vitória da corrente antidemocrática que levou à ditadura militar, aos crimes cometidos pela repressão e, no limite - durante os governos civis neoliberais dirigidos pelas mesmas forças da direita que prevaleceram durante a ditadura militar - à ameaça de desmantelamento das Forças Armadas, abrindo mão deste instrumento fundamental para a defesa e afirmação da soberania do país.
O profissionalismo e o sentimento democrático dos oficiais contemporâneos decorrem dessa dupla experiência: primeiro, do aprofundamento das conquistas democráticas no país (“o Brasil mudou”, disse o general) e do alinhamento dos novos oficiais a seus deveres legais e constitucionais. A outra experiência, de caráter corporativo, decorre da ameaça de desmonte enfrentada nos governos neoliberais.
No passado, os políticos conservadores e golpistas que rodeavam os quartéis em busca da intervenção militar eram designados como “cassandras” ou “vivandeiras” - intrigueiros que buscavam o uso da força armada para objetivos particulares, invariavelmente ilegais ou inconstitucionais. Na última quinta-feira, as cassandras contemporâneas, ao fazerem apelo semelhante a um alto comandante do Exército, ouviram um sonoro não. Mais um sinal do declínio da direita fascista e golpista (que combina com o declínio eleitoral dos partidos conservadores, como o DEM, por exemplo), que aponta para a consolidação e fortalecimento institucionais no Brasil. Quem ganha com isso é a democracia.
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