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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A decadência dos Estados Unidos e o fluxo mundial de capitais

Ao contrário do que muitos imaginam, os investimentos realizados pelas multinacionais no mundo, classificados como Investimentos Externos Diretos (IED), não obedecem a uma estratégia política previamente concebida pelas potências capitalistas. Isto fica evidente nas informações sobre o fluxo e as perspectivas dos IED divulgadas recentemente pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU).

As potências capitalistas (EUA, Japão e União Europeia) estão em baixa entre os investidores, que preferem aplicar seu precioso capital em primeiro lugar na China, depois na Índia e logo a seguir no Brasil. Aos Estados Unidos, que ainda não contornaram a crise que deflagraram no final de 2007, coube o quarto lugar. A Rússia ficou em quinto.

Objetivo maior é o lucro

O movimento objetivo do capital dá razão, uma vez mais, ao pensador alemão Karl Marx. Ele concluiu que a força motriz dos investimentos capitalistas é o lucro. E este é perseguido independentemente das ideologias. Igualmente ilusório é a ideia de que quem emite a moeda hegemônica (no caso, o dólar) tem o poder de orientar a direção e o ritmo do processo de reprodução ampliada do capital.

Hoje é evidente que Tio Sam não está com esta bola toda. As multinacionais em geral não lhe dão ouvidos. E ainda reclamam quando perdem mercados em função de idiossincrasias políticas do império, como é o caso do bloqueio econômico imposto a Cuba, que recentemente despertou o protesto de multinacionais das telecomunicações.

As mudanças no curso dos investimentos promovidos pelas multinacionais mostram claramente que o capital se move ao sabor das flutuações das taxas de lucros e, com isto, ele acaba fortalecendo, involuntariamente, a lógica do desenvolvimento desigual das nações, apontado por Lênin em seu estudo sobre o imperialismo como uma das principais leis do sistema em nossa época.

Crescimento desigual

A divergência nas taxas de crescimento das economias provém basicamente das diferenças nas taxas de lucros e de acumulação. Por esta razão, não é de estranhar que a preferência das multinacionais recaia sobre os chamados “emergentes”, com destaque para a China (campeã do crescimento), Índia (segundo lugar) e Brasil (hoje em terceiro). Não faz muito tempo que as opções eram outras.

Convém recordar, neste sentido, que durante a década de 1990 os Estados Unidos foram, de longe, os principais receptores dos Investimentos Externos Diretos (IED). Ao longo daqueles anos, atraíram 1 trilhão de dólares em IED, o que contribuiu para uma dos mais longos ciclos de expansão do capitalismo estadunidense.

Isto criou a impressão (falsa) de que a economia norte-americana estava revertendo o processo de declínio histórico que se verificava, então, em relação ao Japão (que caiu no pântano da estagnação precisamente nos anos 1990) e Alemanha, que também entrou em decadência.

Desequilíbrios

Na ocasião, os EUA lograram taxas de crescimento superiores às de seus rivais na Europa e no Japão. Mas expandiram o PIB ampliando ao mesmo tempo os “desequilíbrios globais”, o parasitismo e a crescente dependência em relação ao capital estrangeiro e, em especial, à China. Sem poupança interna, o império não conseguiria o controvertido êxito se tivesse que caminhar com as próprias pernas.

Consolidou-se durante a decantada expansão dos anos 1990 um padrão de acumulação fundado não mais na produção, mas no consumo (que passou a responder por 70% do PIB, contra 60% na década anterior), que orientou em larga escala o processo de valorização e reprodução do capital em todo o mundo. Os EUA foram considerados como o consumidor de última instância da superprodução mundial e a locomotiva da economia mundial. Foram, é bom reiterar, pois não são mais.

Cadê a Nova Economia?

Inventaram, à época, o conceito (ilusório) de Nova Economia, donde chegaram a sugerir que o capitalismo americano tinha descoberto o moto-contínuo do crescimento, ou seja, havia superado as crises cíclicas de superprodução. Obviamente tal ilusão não durou muito. A Nova Economia entrou em colapso no alvorecer do novo milênio, a recessão deu o ar da graça já em 2001 e, depois de uma frágil recuperação, retornou com inusitada força no final de 2007. Desde então, Tio Sam perdeu o charme e deixou de ser o primeiro na escala de preferência das multinacionais. Agora foi deslocado para o quarto lugar.

O consumo em alta nos EUA não tinha correspondência na renda real do povo. Os salários pagos à classe trabalhadora estagnaram e perderam valor (real) desde os anos 1970. O consumismo foi alimentado de forma artificial pelo crescente endividamento das famílias, associado à farra desregrada do sistema financeiro e à bolha imobiliária. A atual crise, que teve origem numa superprodução da construção civil fomentada pelo crédito fácil e temerário (acessível inclusive aos que não tinham renda, patrimônio ou emprego), evidenciou os limites e riscos deste padrão de acumulação, que transformou Tio Sam de credor em maior devedor (líquido) do planeta. Foi então que o que parecia muito sólido e prometia “um novo século americano”, na imaginação dos apologistas do império, simplesmente desmanchou no ar. A crise promoveu um pouso forçado do consumo, um ajuste interno que ainda está em curso e cujas proporções ainda não estão dadas.

Uma nova locomotiva

A China, por seu turno, continuou nos anos 1990 o processo de forte expansão industrial que a transformaria, em poucos anos, na segunda maior economia do mundo. O gigante asiático já é, hoje, a principal locomotiva do globo. Isto explica a preferência dos investidores, que em busca do ouro (ou na louca corrida dos lucros) respaldam o processo de desenvolvimento desigual, contribuindo para o inelutável deslocamento do poder econômico mundial do Ocidente para o Oriente e dos EUA para a China. É daí que há de emergir uma nova ordem mundial.

Perspectivas

O relatório apresentado pela Unctad sobre a perspectiva mundial de investimentos foi elaborado com base em consultas a mais de 200 companhias transnacionais, além de uma centena de agências de promoção de investimentos, que buscam atrair recursos externos para seus países.
A Unctad informa também que em 2011 e 2012, as multinacionais devem aumentar investimentos externos, e que os investimentos diretos na China devem superar US$ 100 bilhões ainda neste ano. O IED não-financeiro na China atingiu o recorde de US$ 92,4 bilhões em 2008, mas caiu para US$ 90 bilhões em 2009 em meio à crise financeira global.

Os investidores estrangeiros estão otimistas sobre a perspectiva econômica da China, e os esforços de Pequim para melhorar o ambiente de investimento aumentaram sua confiança, disse Shen Danyang, porta-voz do Ministério do Comércio chinês, citado pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China atraiu US$ 58,4 bilhões de IED nos primeiros sete meses do ano, alta de 20,7% sobre o mesmo período de 2009. O gigante asiático é citado mais de 100 vezes quando os executivos das multinacionais são questionados sobre sua “prioridade máxima” nos seus planos de investimentos para o exterior.

Emergentes

No ranking, a China é seguida por Índia, Brasil, EUA, Federação Russa, México, Reino Unido, Vietnã e Indonésia. “Pela primeira vez, as quatro maiores economias emergentes – China, Índia, Brasil e Rússia – estão ranqueadas entre os cinco maiores destinos de investimentos”, enfatiza o relatório da Unctad, destacando ainda proeminência dos países asiáticos, mencionados seis vezes na lista das 15 maiores prioridades das multinacionais.

A pesquisa também destaca a presença cada vez maior de multinacionais dos países em desenvolvimento no fluxo global de investimentos diretos estrangeiros. Consultadas, as agências de promoção de investimentos (que procuram atrair recursos externos para seus países) listam empresas da Índia e da Rússia entre as dez “fontes” mais promissoras, num período de três anos.
“Embora ainda limitado, o número de transnacionais de países em desenvolvimento com planos mundiais de investimentos em larga escala está crescendo”, avalia a Unctad. A grande maioria ainda continua sediada no interior das potências capitalistas tradicionais. 202 das 236 empresas ouvidas pela Unctad são de países desenvolvidos, sendo que a Europa, com 131, é o continente de origem de mais da metade dessas companhias.

Otimismo

A maioria, 61%, é do setor industrial, sendo que 35% atuam no setor de serviços. Por tamanho de ativos, uma parcela de 44% possui entre US$ 500 milhões e US$ 4 bilhões, enquanto outros 35% tinham menos de US$ 500 milhões. Cerca de 43% dos executivos que responderam as questões da Unctad declararam ter elevado seus investimentos no exterior, neste ano, em comparação com 2009. Uma parcela de 58% respondeu que deve aumentar ainda mais os investimentos em 2011 e 2012.

Essas previsões refletem uma percepção mais positiva do cenário mundial. Se no ano passado, 47% dos executivos consultados manifestavam pessimismo quanto às perspectivas para 2010, este ano, 47% dos entrevistados expressa uma visão otimista sobre a economia em 2011, enquanto uma “sólida maioria” (62%) está otimista em relação a 2012.

“Apesar do forte impacto da crise econômica e financeira sobre os planos de investimentos das transnacionais, não houve reversões significativas desses investimentos, e as companhias permanecem comprometidas em expandir sua presença no exterior”, avalia a Unctad.

As transnacionais baseadas nos países em desenvolvimento estão mais otimistas sobre o crescimento de seus investimentos nos próximos anos do que as similares dos países desenvolvidos, ainda mais se comparada com as transnacionais baseadas em países europeus.
A Unctad calcula um fluxo de investimentos direto estrangeiro da ordem de US$ 1,3 trilhão a US$ 1,5 trilhão (aproximadamente o PIB do Brasil) para 2011, atingindo entre US$ 1,6 trilhão a US$ 2 trilhões em 2012. Este ano, a Unctad estima um fluxo de US$ 1,2 trilhão no montante de investimentos entre países.

Brasil

Mesmo estando na lista da Unctad entre os três países mais atrativos nos próximos dois anos, a realidade da atração de investimentos estrangeiros no Brasil é mais dura do que se poderia supor. Em 2007, segundo dados do Banco Central, os investimentos estrangeiros diretos no país somaram US$ 33,7 bilhões. Em 2008, saltaram para US$ 43,8 bilhões - mas, em 2009, caíram para US$ 30,4 bilhões, número que deverá encolher ainda mais este ano.

"Houve uma redução drástica nos investimentos estrangeiros diretos no país. No mundo inteiro esses investimentos também caíram", observa o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luiz Afonso Lima. Segundo a Unctad, em 2007 os investimentos estrangeiros diretos no mundo somaram US$ 2,1 trilhões; em 2009, caíram para US$ 1,1 trilhão e, em 2010, deverão estacionar em US$ 1,2 trilhão, uma queda de quase 50% nos últimos dois anos.

Da redação, Umberto Martins, com agências

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